Segundo definição do dicionário Michaelis, parque é:
Terreno mais ou menos extenso, arborizado, cercado ou não, destinado ao passeio e à recreação: “Também não sairei mais pelo parque do Flamengo olhando as árvores, os troncos, a raiz, as folhas, a sombra, escolhendo a árvore que eu queria ter, que eu sempre quis ter, num pedaço de chão de terra batida” (RF).
Jardim público arborizado destinado ao lazer.
Local para abrigar viaturas, aeronaves e material de artilharia, com área reservada para serviços de reparo e manutenção dos mesmos.
Excluindo a última definição, que diz respeito a uma situação específica, as duas primeiras têm algo em comum: as árvores. Segundo o dicionário, podemos partir do pressuposto de que a primeira e essencial característica de um parque são as árvores. Logo, se não há árvores, logicamente, não teremos um parque.
A segunda pergunta que devemos fazer é: para que serve um parque? Abrimos uma caixa de perguntas no nosso perfil do Instagram e recebemos diversas respostas. Percebemos, no entanto, que cada um tinha uma definição: alguns focavam bastante no lazer, outros, na preservação; há ainda, aqueles que definiam os usos do parque como uma mistura dessas duas coisas.
Bom, a partir disso, o que devemos levar em conta é que os espaços não possuem apenas um uso nem representam, na maioria das vezes, apenas um grupo de pessoas. Pelo contrário, os espaços estão em constante movimento: o parque pode ser usado para uma feira, para encontros entre amigos, para jogar cartas, para descansar, para praticar esportes. O que define como o espaço vai ser usado, portanto, não são os projetos técnicos, mas as próprias pessoas que se apropriam dele. Em Lajeado, um dos melhores exemplos da utilização de um espaço que não foi planejado para o seu uso são os encontros que acontecem nos gramados da Univates, em meio a um fluxo intenso e, diga-se de passagem, perigoso, de carros.
A conclusão a que chegamos é de que, quando pensamos em “pra que serve um parque?”, não podemos, com facilidade, apontar quais são as suas funções. Porém, a partir do momento que consideramos as pessoas como característica essencial para a construção de um espaço, podemos afirmar que suas funções estão necessariamente sujeitas aos usos que lhe são atribuídos.
Isso não quer dizer, por outro lado, que o compartilhamento desses espaços ou a disputa para definir quais serão suas funções aconteça sem problemas. Temos dois grandes exemplos no Vale do Taquari:
O primeiro é o Parque Cultural Morro Gaúcho:
Para aqueles que ainda não conhecem, trata-se de um empreendimento encabeçado por Jerson Zanchettin que planeja construir um complexo turístico no Morro São José, que faz parte do grande rochoso que é o Morro Gaúcho. O impacto ambiental desse empreendimento é alarmante, envolvendo a supressão de mais de 30.000 m² de vegetação, incluindo áreas em estágio avançado de regeneração. Esse desmatamento desconsidera a legislação vigente, incluindo a Lei Federal n.º 11.428/2006, que proíbe a supressão de estágios primário ou avançado de regeneração quando a vegetação abriga espécies ameaçadas de extinção.
O projeto, que prevê um investimento de mais de 300 milhões de reais (o dobro do orçamento aprovado para o ano de 2025 pela Prefeitura de Arroio do Meio, para se ter dimensão da quantidade de dinheiro envolvido), almeja instalar, no Morro, uma estátua com 50m de altura, um open mall, hotel executivo, roda gigante, espaços com estacionamento, praça gastronômica, hotel de convenções, galpão de CTG, museu da cultura gaúcha e arena multiuso. Ufa, finalmente acabou a listagem!
O que vemos aqui, claramente, é um projeto que atribui uma função ao Morro Gaúcho e, por consequência, ignora outras atribuições.
Do outro lado, temos outros dois atores importantes: a Ecobé e a sociedade civil. Enquanto associação, ao invés de um empreendimento ambicioso e gigantesco no espaço, lutamos pela implantação de uma Unidade de Conservação (UC) no local, que é o maior maciço verde em todo o Vale do Taquari.
Mas, afinal, o que é uma UC?
Unidades de Conservação (UCs) são áreas naturais legalmente instituídas pelo Poder Público, com limites definidos e objetivos de conservação ambiental. Elas fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) no Brasil e têm a finalidade de preservar ecossistemas, proteger a biodiversidade e garantir o uso sustentável dos recursos naturais, incluindo a possibilidade de participação de populações tradicionais e comunidades locais (ECO). O que muitas pessoas imaginam, quando vêem esse termo, é que tendo sido estabelecida uma UC, nada mais naquele lugar poderá ser realizado, como plantio e uso do solo para atividades econômicas: mas isso é um equívoco, e dos grandes!
Na verdade, as atividades econômicas em UCs não são totalmente proibidas, mas são regulamentadas de acordo com o tipo de unidade. As UCs se dividem em dois grupos principais:
Unidades de Proteção Integral: visam à preservação da natureza, permitindo apenas o uso indireto dos recursos, como ecoturismo, pesquisa e educação ambiental. Atividades econômicas que envolvem extração ou coleta de recursos naturais são proibidas nesse grupo.
Unidades de Uso Sustentável: permitem o uso dos recursos naturais de forma sustentável, conciliando a conservação com a presença humana. Atividades econômicas são permitidas, mas devem ser praticadas de maneira a não comprometer a renovabilidade dos recursos e os processos ecológicos.
A Ecobé luta pelo estabelecimento de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, mais especificamente uma APA (Área de Preservação Ambiental), onde “são permitidas até as atividades agropecuárias e atividades industriais, desde que estas sejam compatibilizadas com as diretrizes de gerenciamento e conservação da unidade” (TRILHO). Bem no topo do Morro, por outro lado, entendemos que a melhor proposta seria uma AIRE (Área de Relevante Importância Ecológica), que é um tipo mais restrito de classificação, haja vista que teria a função de preservar nascentes e animais migratórios.
O que temos, portanto, ao analisar as duas propostas antagônicas de uso do espaço (empreendimento do Complexo Turístico vs implantação de uma Unidade de Conservação), é valorização de lados diferentes de um mesmo lugar. É uma disputa pelo espaço e seus usos. A questão relevante é que apenas a Unidade de Conservação (UC) no local garante a harmonia entre atividade econômica e natureza, haja vista que não compromete a biodiversidade do local e permite que as comunidades locais usufruam do espaço para gerar emprego e renda. Isto é, trata-se da permanência de um espaço que diz respeito a todos nós, pois também somos parte da natureza e não estamos separados dela.
O Complexo Turístico, por outro lado, além de acabar com toda a paisagem natural do espaço, ignora que já acontecem atividades turísticas e econômicas no local. A própria Ecobé, por exemplo, já realizou trilhas no espaço; há ainda, aqueles que praticam ciclismo, que acampam e realizam outras atividades que não colocam em risco o maior patrimônio socioambiental do Vale Taquari. O Complexo Turístico afirma que o Morro Gaúcho será só para algumas pessoas: aquelas que têm carro para acessar o local, as que conseguem pagar por ingressos caros, as que ignoram as belezas naturais do nosso Vale. E, ao contrário do que muitos pensam, não se trata somente de investimento privado: a prefeitura de Arroio do Meio será a possível responsável por garantir asfaltamento até o local, drenagem e abastecimento de água. Então, quem acaba pagando toda a conta somos nós, sociedade civil!
O segundo exemplo, mais recente da disputa por um espaço, está em curso em Lajeado:
A Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) de Lajeado concedeu um parecer técnico favorável à construção de um parque em São Bento. Para isso, serão suprimidas, derrubadas, assassinadas mais de 280 árvores nativas, além de comprometer uma nascente que está no local.
Preocupa-nos, por exemplo, a postura da prefeitura municipal de Lajeado, ao assumir que a construção de um “parque cultural” em São Bento é a melhor alternativa para aquele espaço, ainda mais quando coloca em risco a biodiversidade e riqueza de um pequeno bosque urbano denso, de mata nativa, e com presença de um curso hídrico. Quem disse que as pessoas querem isso? Quem disse que esse espaço não tem história? Quem disse que não há outras alternativas de lazer mais sustentáveis?
Para finalizar, consideremos o que os projetos têm em comum (Parque Cultural Morro Gaúcho e Parque em São Bento):
Ambos se autodenominam como parques. Por outro lado, como vimos, ambos também farão a destruição massiva de zonas com árvores nativas. Logo, não podem ser chamados de parques, pois não terão a presença de árvores.
Ambos ignoram que os espaços onde serão construídos já possuem histórias ou que, especificamente no caso do Morro Gaúcho, há outras alternativas mais sustentáveis e inteligentes para gerar renda e desenvolvimento para o município.
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